Sobre Yukio Mishima

Sobre Yukio Mishima (1925-1970) todas as palavras parecem valer pouco, reforçando aquela velha (e quase inatingível) ideia renascentista que o artista possui o imperativo de se completar até ao infinito. Se às palavras recorremos, é porque só elas podem restituir a figura nobre do artista: o seu corpo esbelto afundado na sangrenta espada de palavras escritas no papel, palavras de sangue.
Um autor só pode ser entendido como tal quando uma constelação soberana gira em torno de si, mas simultaneamente se desvia da sua órbita original, possibilitando-nos a capacidade de viajar de estrela em estrela até à verdade. Parafraseando-o no catálogo da sua exposição (decorrida no ano do seu suicídio, 1970): “Dividi a minha existência de 45 anos, repleta de contradições, em quatro correntes: os Rios do Livro, Teatro, Corpo, Ação e os estruturei de modo a desaguarem no Mar da Fertilidade”. São estas as quatro máscaras principais de Mishima: o escritor, o dramaturgo, o aristocrata e o guerreiro. Todas elas desaguam na origem, naquela mesma fonte; a verdade que faz nascer algo perante a destruição do tempo – como no final de Tennin Gosui (A Queda de um Anjo, 1970). A vida, mas mais drasticamente a morte, são susceptíveis de serem artísticas e esse é o fascínio (mas o terror) da vida e obra de Mishima.
Hanjo (1956) representará uma surpresa para os menos conhecedores, pensando erradamente que a morte é a única inquietação de Mishima, como suscitará o escândalo para os entendidos no teatro Noh. Não mostrando uma formalidade radical (outras peças são-no mais veementemente: Madame de Sade (1965) ou Meu Amigo Hitler de 1968) mantendo, assim, certo classicismo temático (a loucura da amante e a impossibilidade do amor), Mishima inverte do avesso as intenções aparentes desta curta peça, tornando-a uma digna representante das tragédias silenciosas, na esteira da moderníssima escrita psico-sexual dos seus contemporâneos (ver Utsukushisa to Kanashimi to [Beleza e Tristeza, 1964] de Yasunari Kawabata ou Kagi [Confissão Impudica, 1956] de Junichirô Tanizaki) com a introdução da personagem extremamente disforme, mas palpável, de Jitsuko, uma mulher ressentida com a beleza amorosa, rememorando subtilmente a personagem sádica de Kyoko no ie (A Casa de Kyoko, 1959), certas confissões do narrador de Kamen no Kokuhaku (Confissões de uma máscara, 1948) e, evidentemente, o personagem principal de Kinkaku-ji (O Templo do Pavilhão Dourado, 1956) que queima o exuberante e erótico Pavilhão Dourado, por não resistir a tanta beleza estática. Também o final de Hanjo é deliberadamente aberto para sublinhar a última linha de Jitsuko: sorrindo com a impossibilidade de qualquer tipo de felicidade; guardando a beleza só para ela.
Como disse Mishima: “O drama magnífico onde escorre sangue falso talvez seja uma experiência mais forte e profunda do que as da vida e possivelmente comova e enriqueça as pessoas.” Esperemos que assim seja com esta.

Miguel Patrício

Fotografias de Sofia Berberan








Fotografias de Sofia Berberan










Obras de Arte em Cena





 

Adriana Molder, Um fantasma e duas sombras I, II e III, 2010
Grafite sobre impressão UV sobre papel esquisso, cada 91 x 68 cm.
Na protagonista do meu Nô (Hanjo) deve haver vestígios da Soror Mariana Alcoforado de Portugal, descrita em Os Cadernos de Malte Laurids Brigge, romance de Rilke, e de outras "mulheres apaixonadas". Além disso, havia em mim, autor, a imagem de Sapho evocada por Rilke.
Yukio Mishima




Ref. Bibliográfica: Yukio Mishima: O homem de teatro e de cinema/ Darci Kusano - S. Paulo, Perspectiva: Fundação Japão, 2006. 

Leitura encenada

do texto Hanjo Yukio Mishima

TERÇA, 29 DE JUNHO
CINETEATRO DO CARTAXO

Encenação de Paulo Lage
Tradução Suzana Borges
Com Francisco Nascimento, Joana Metrass e Susana Borges
Produção: Culturproject

Pesquisa

Hanjo terá a honra de contar com a participação da artista plástica Adriana Molder, com a criação de três obras inéditas criadas exclusivamente para esta produção. www.adrianamolder.com.

Aqui, uma das fotografias de Joana Metrass que servirá como base de estudo para o trabalho de Adriana Molder.
Autoria: Sofia Berberan